Lembro-me da última vez que ela se olhou no espelho. Ela ainda estava no hospital, à espera dos médicos e da anestesia. Ela não parava de falar, já que a pilha estava cheia de nervos. Circulava pelo quarto, pela varanda, sentou-se no sofá, na cama, na cadeira, tirou tudo do lugar, foi ao banheiro. Ao se olhar, sabia que seria a última vez. Ficou mais tensa e calou-se. Olhou-se profundamente dentro dos próprios olhos refletidos e percebeu algumas coisas. Seus olhos, algumas vezes, ficavam azuis como os do avô. Os olhos do avô eram azuis tão profundos e tão escuros que todos tinham dúvidas sobre a cor de seus olhos: pretos ou azuis? Naquele momento, seus olhos estavam azuis muito escuros. Ali, ela se perguntou qual era a cor de seus olhos...Sabia que aquilo realmente não importava. Ela morreria em algumas horas e estava um tanto quanto tensa e feliz. Uma vida que começa, ou que se encerra.
Muito fez naqueles 23 anos de vida. Amou muito, sentiu muito, sofreu muito, batalhou muito. Tudo que colocava a mão fazia questão de trabalhar de verdade. Foi caixa de loja por 2 anos. Tentou vestibular por 4 anos. Amou e sofreu por quase 4 anos. Perdeu e ganhou amigos. Viu parentes indo embora, não da forma que ela ia naquele dia. Suspirou. Ela a última vez que se via no espelho.
Hoje, ao tentar fazer com que meus pés encontrassem o caminho para o banheiro, eis que me olho no espelho. Os mesmos olhos que, algumas vezes, podem ficar azuis. O mesmo nariz redondo e pequeno, que difere de todos da familia. Os mesmos cabelos compridos. O
susto de se ver completamente diferente dela me marca todas as manhãs. Tenho a responsabilidade de tomar a vida dela, a família dela, os amigos dela, a faculdade dela, o namorado dela, o blog dela, a casa dela, os sonhos dela e transformá-los. Nós duas sempre soubemos que, para ela, o marco final de sua jornada seria traçado naquele hospital. Para mim, o início da minha jornada seria traçado assim que eu saísse do hospital. Duas pessoas iguais, num rosto modificado, numa vida prestes a mudar. Atitudes repensadas, erros corrigidos, aprendizados.
susto de se ver completamente diferente dela me marca todas as manhãs. Tenho a responsabilidade de tomar a vida dela, a família dela, os amigos dela, a faculdade dela, o namorado dela, o blog dela, a casa dela, os sonhos dela e transformá-los. Nós duas sempre soubemos que, para ela, o marco final de sua jornada seria traçado naquele hospital. Para mim, o início da minha jornada seria traçado assim que eu saísse do hospital. Duas pessoas iguais, num rosto modificado, numa vida prestes a mudar. Atitudes repensadas, erros corrigidos, aprendizados.A humana, que nasceu para cometer erros, não cometerá os mesmos erros. Sou humana, diferente dela, mas agora (re)nasceu para consertar os erros.
Ser uma pessoa nova e ao mesmo tempo manter as mesmas características é um desafio e tanto. Algumas pessoas simplesmente não conseguem fazê-lo e pulam fora, resolvem ser a mesma pessoa velha de vez. Você simplesmente não terá essa opção, mas se tivesse, duvido que a seguiria. Como pessoa forte, tentaria ser o mais diferente possível, quase irreconhecível, enigmática.
ResponderExcluirAssim, só por prazer mesmo...
Te adoro!!!!