terça-feira, 26 de agosto de 2008

Dos grandes dilemas (ou de alguém que sente)

Os dias costumam ser os mesmos quando se entra na rotina. As aulas são as mesmas. As pessoas são as mesmas. As leituras são as mesmas. Os beijos do namorado são do mesmo namorado. As piadas dos amigos são sempre as mesmas piadas dos mesmos amigos. A cama é a mesma. Os objetos. Tudo.
O que mais me irrita é que a faculdade ainda é a mesma. Nada muda. A opaca segunda-feira não me dá o ânimo de acordar as seis da manhã para sair. Os mesmos reis de Portugal. Os mesmos poetas africanos. A mesma cachorra idiota que late enquanto comemos. O mesmo cheiro de mofo da biblioteca. A mesma mesa. O mesmo livro.
Foi num ato de profuda fúria que cortei os cabelos. Os mesmos cabelos que eram dela, que me tiravam a identidade.
Mudar é difícil. Requer tempo, tática, muitas coisas. Depois de uma longa e triste conversa, é decidido que tudo vai mudar dentro de nós e eu fico sem saber como fazer. Não sei falar nem confiar.
Amar é uma questão de tempo.
***
De alguém que sente para alguém que se foi (não é bem meu, talvez seja dela, não sei)
É estranho ver que está tudo tão diferente depois que se passaram alguns anos. A gente luta pelas coisas, sonha com elas. Mudamos nossos trajetos para que nos adaptassemos. É estranha a mesma rua. Ela é a mesma de alguns anos, mas tem algo de diferente nela. Assim como o lugar onde me encontro mais uma vez. Vendo daqui da janela, não reconheço quase nada do qiue já foi meu um dia. Talvez vagamente eu consiga te ver no final da rua escura, se eu forçar a vista mais um pouco. Posso até sentir seu pé chutando as costas da minha cadeira. É tudo tão irreconhecível que já nem sei aonde estou. Você não está aqui, e por mais que já tenha passado um tempo, ainda sinto você, como se nunca tivesse ido. E é tão estranho para mim não ter você por perto, assim como a rua escura está tão igual ao que sempre foi.
Tudo mudou, sim, isso é notável. Onde nós nos conhecemos não existe mais. Muitas paredes foram levantadas, mantém-se as mesmas cores da parede, mas está diferente. Não é como daquela vez.
Daquela mesma que eu estava diante da figura mais forte da minha vida. Ou arepresentação de uma eternidade que já se foi.
Isso, para mim, é estranho.
***
A bioquímica que mais me diverte é meu processo hormonal. Mês passado estava eu em fúria pesada. Este mês estou serena, a ponto de chorar por um belo pássaro na janela. Isso é sinal que meu mês-aniversário tá chegando. São dois meses de vida, dois meses de morte. Ah, que singelo, sou capaz de chorar por isso, rs.

domingo, 17 de agosto de 2008

Do comportamento humano (ou a primeira night)

Ela sempre gostou de música, então, ela sempre quis que o pai dela deixasse sair para aquelas matines esquisitas que rolavam na Tijuca (quem se lembra do Terceiro Milênio ou da Raio de Sol, em 1999?). Depois dos 15 anos, ele passou a desistir de mante-la em casa e decidiu deixá-la ir. Desde então, ela foi treinando seu instinto observador. Gostou daquilo. Podia ficar horas e horas observando o comportamento humano dentro de uma boate; e levou essa observação para o mundo iluminado do lado de fora.

Eu, portanto, já nasci com o espírito de observação aguçadíssimo, já que foi uma das milhares de heranças que ela me deixou. E é legal você sentar em algum lugar e ver pessoas conversando, o jeito que elas têm de falar ou de se mexer. Sou capaz de reconhecer qualquer pessoa de longe só pelo seu jeito de andar ou de se vestir. Observo muito o comportamento humano e até que isso é muito divertido.

Ontem, algumas amigas dela me chamaram pra boate. Uma delas me via pela primeira vez e ficou impressionada de como eu estava bonita. Ouvi muito isso desde o dia em que nasci, muitos amigos dela disseram a mesma coisa, mas eu sempre achei que ela fosse muito bonita, já que, mesmo com aquele defeito que ela nao gostava muito de encontrar no espelho, conseguia fazer um relativo sucesso (talvez pela fita métrica maldita ou...ah, sim, assim como ela, também não gostei muito de ter pernas muito compridas e tronco forte; pareço uma ogra!).

O legal da boate, dependendo de qual boate você vai, são as pessoas. Ela, antes de morrer, ia muito a boates GLS e se divertia muito. Costumava ver travestis, bichinhas pão-com-ovo, lésbicas tímidas ou animadas, gays totalmente desinibidos na hora de dançar, coreografias bem feitas e muita gritaria e extase na hora que a rainha Madonna soltava seus primeiros acordes na pick-up do DJ. Divertido, bastante mesmo.

Nas boates hetero, o legal é analisar o comportamento das pessoas na sua relação caça-caçador. Ela já beijou alguns caras nessas boates, mas eu não seria louca, mesmo se ela não tivesse deixado um namorado para eu cuidar. Talvez por uma questão de nojo ou uma questão de opinião. Talvez até porque eu senti a mesma sensação que a lata de massa de tomate deve sentir na prateleira do supermercado. Não que todas as mulheres que vão para a boate sejam mercadorias, mas é assim que mais ou menos elas são tratadas. Isso me deixa nervosa. Mais nervosa ainda quando uma mulher aceita essa condição de ser uma lata de massa de tomate. Em dado momento da noite, na hora que começou a tocar umas batidas que eu já tinha ouvido em alguns lugares (umas coisas como eu vou pro baile de sainha/agora sou solteira e ninguém vai me segurar...) uma menina que estava dançando ali perto de mim se empolgou de tal forma que arrancou a parte de cima do macacão e ficou dançando exatamente do jeito que vocês devem ter imaginado. Foi nessa hora, como se o anunciante do mercado tivesse acabado de declarar promoção naquela prateleira, que centenas de marmanjos foram dançar a volta dela. As pessoas fazem sucesso com o que tem. Passada a empolgação, ela vestiu o macacão e foi para o outro lado da pista, quieta. Acho que a batida durou uma hora (nunca dancei tanto na minha vida, também, acho que é porque realmente eu só havia dançado uma vez, no ensaio do jazz O.O), e nessa uma hora, uns tres caras beijaram a boca da garota. Um exercício linguístico curioso e cansativo.

Os caras bebem (e bastante) para conseguirem chegar numa mulher. Não sei para que tanto, se chegar numa mulher me parece tão fácil, basta você saber como chegar nesta mulher. Acredito que uma questão de observação faz com que você entenda mais ou menos o perfil do seu enlatado de massa de tomate. Gosta de dançar tal música, fala de tal maneira, ri de tal forma... E os caras sentem medo de perder tempo de chegar junto e tentam pegar, de qualquer jeito, a primeira lata que ver pela frente, de qualquer jeito. Alguns gostam de perder esse tempo fitando, estudando e...bebendo. O garoto não parava de comprar garrafinhas de cerveja para o amigo. A garrafa acabava e o garoto saia correndo para comprar mais. Às vezes, o garoto cutucava o amigo e apontava para a nossa direção, e ele apenas fazia um gesto com a cabeça. Eu sabia do interesse do amigo do rapaz. E o interesse estava na nossa roda.

Acaso ou coincidencia, uma das amigas dela me confessou que o tal menino que bebia e bebia parecia interessante. Disso eu já sabia, mas...será que poderia rolar um oi, tudo bem ainda naquela noite? Era engraçado o jeito que ele se aproximava dela sem que ela o visse. Eu ria. Rodava a roda de amigos onde dançávamos. Queria ajudar o rapaz.

Bonito, sim. Para a opinião da minha amiga, é claro (sim, minha porque estou aqui com a função de ser amiga dos amigos dela, eles não sabem que ela morreu, ainda). ele dançava atrás dela, eu dava um jeito de ela perceber, mas acho que ela estava muito entretida com a batida da boa música da boate. E quanto mais o tempo passava, mais eu me perguntava se ia acontecer mesmo, e mais ela (inabalável) continuava daquele jeito plácido de to nem ai (adoro), mas eu sabia que lá dentro dela a pergunta martelava. O amigo do garoto cutucou diversas vezes entre uma busca de bebida e outra. Éramos todos espectadores de uma situação que poderia ou não acontecer.

Nesse momento, os caras em geral estavam com a cara cheia de álcool, puxando as meninas de forma brutas e algumas - a maioria - cedendo, por medo ou por vontade ou por seiláoque. Alguns já faziam passinhos coreografados (provavelmente frequentadores assíduos de bailes, já me falaram sobre esses eventos...), outros comemoravam aniversários. A figura da boate se modificava com o passar das horas; alguns iam embora, outros paravam de dançar, muitos se arranjavam com suas massas de tomate. Minha amkiga já havia deixado de ser massa de tomate desde o momento em que a demora passou ser longa; ele estava estudando a melhor hora e ela continuava plácida.

Foi quando ele resolveu respirar fundo todas as coragens que havia ingerido e decidiu falar. Bonito, muito bonito. Talvez quis fazer da melhor forma ou simplesmente achava muito para ele. Todo o meu esforço havia sido de valia para eles. Pareciam diferentes. Pareciam tão iguais misturados àquelas tantas gentes em beijos e abraços. Momento da night em que todos se resolviam. Resolvi encostar meu corpo mal-acostumado na pilastra. Pessoas iam embora. Alguns ainda carregando suas meninas, outros suas latas de massa de tomate. Era como se exibíssemos para que eles vissem nossos atributos. Tudo que eu queria fazer naquela noite era dançar, e foi justamente isso que fiz. Ninguém mexeu comigo, talvez porque eu consegui passar a imagem de que eu não estava lá para isso. Muitas meninas não são de arrancar o macacão ou de usar o decote mais profundo da festa. É definitivamente gostoso caprichar uma maquiagem e escolher uma roupa bacana. Dá pra dançar vestindo-se assim? Quando não se sai à caça, costumamos não sair com cara de latas de massa de tomate, com aquelas cores vibrantes na cara e roupas chamativas. Quando a gente não espera nada, saímos do jeito que realmente somos. Minha saia jeans, minha bata preta, minha sandália rasteira. Assim, normal, do jeito que sou, sem querer que ninguém me perturbe.

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Eu estava pensando sobre o comportamento de quem namora e é tão complexo entender o que leva a fazermos com que não sintamos à vontade quando estamos sozinhas. Ao ver toda aquela gente se beijando e se pegando, por mais que eu tenha passado aquele dia fazendo o mesmo, bateu uma vontade de faze-lo naquele momento. É uma questão de gostos, e meu namorado não gosta. Gosto por uma questão de diversão alternativa (devemos, eu e ela, sermos as únicas desse mundo que gosta de boate para ver o comportamento das pessoas). Lá estava eu encostada na pilastra, vendo todas as pessoas se beijando. Questão de sentir inveja? Ah, não, não sei se me acostumaria com a vida de solteira que esse povo leva, mas sei lá. Acho que toda a minha vontade agora de isolar-me anda me confundindo os miolos.

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Dani, menina linda que vive acessando meu blog, esse post é pra você =P

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Da identidade

São pequenas coisas que eu fico me perguntando:"E se não pudéssemos fazê-lo?"
Hoje, na faculdade, sentei-me ao lado de alguém que eu já havia visto pelos corredores da Letras. Ele faz latim, é inteligentíssimo e muito participativo nas aulas. O tipo de cara que interage de verdade com o professor. Ele é cego, grava as aulas e salva no laptop que carrega pra cima e pra baixo.
Após duas horas de aula de literatura portuguesa, sai da sala com a mochila nas costas e ouvi a música que saia do novo bandejão da Letras . Ao chegar no corredor central, vi uma coisa muito bacana: os operários da obra do bandejão foram homenageados, havia um som pra galera curtir e muita gente comemorando uma conquista do CA pros alunos, super bonito. No pátio central, as árvores faziam uma sobra bonita do meio-dia, as pessoas se socializando, conversando, fumando seu baseado (não que eu ache isso bacana, mas era o que eu via, oras). Quando saí do prédio, aquela grama tão verde brilhando do sol, meninas conversando nos bancos da entrada da faculdade, a cachorra Pretinha se esfregando na grama por uma seção de coceirinha nas costas.
Tanta coisa bonita à nossa volta, uma ilha tão bonita onde estudamos (ah, claro, cercada de bosta por todos os lados, mas estamos numa ilha, e ela fica na Baía de Guanabara, acho que não há muita escapatória)...e se não pudéssemos ver nada disso? Como saberíamos se aquilo é belo, ou como imaginaríamos que o mundo é?
Tudo em nosso mundo gira em torno da imagem e esse cara que tive contato hoje não tem essa imagem que estamos tão acostumados a ter. A tecnologia dos óculos para quem pouco enxerga e aquelas cirurgias bacanas pra diminuir a miopia, são todas coisas tão desejadas pelas pessoas que pouco enxergam que, nós, que enxergamos relativamente bem, nem percebemos isso.
Meu primeiro mês de vida foi sem poder saborear as coisas gostosas que mamãe fazia na hora do jantar. Aquilo para mim era normal. Sopas são normais. Hoje eu não me contenho de alegria com um prato de...sei lá...frango com purê de batatas, coisa que qualquer um come a qualquer hora. Não tive essa oportunidade a vida toda, mas se eu não tivesse o direito de comer pra sempre? Tipo, nunca mais eu pudesse comer? Fiquei com medo de não sentir o prazer da comida...
Pessoas que não podem ouvir as mais belas músicas ou as mais melosas declarações de amor, por serem surdas...ou pessoas que não podem andar ou pegar coisas, ou pessoas que tenhal aguma característica que a impeçam de...
Gosto de saber que quem pode fazer as coisas mais normais da vida ajudam a quem não pode. E quando não podemos ajudar, eles sabem se virar. É bacana ver os ajustes da natureza...e os ajustes do homem também.
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Não entendo mais quem eu sou ou o que sou para outras pessoas. Sinto-me tão sem identidade, tão invisível, até para mim...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Das experiencias em geral

Aos poucos vou descobrindo as funções das coisas na minha recente vida. É curioso descobrir a intensidade dos sentidos e dos sentimentos, e curto senti-los. As dores, os amores, os prazeres. parece tudo tão encantador que não me dá vontande de perder as oportunidades que a vida me apresenta.
É encantador, por exemplo, sentir a pele ardendo de sol. O cheiro do creme para queimaduras me parece agradavel, sem contar a cor rosada, tal qual a minha barriga. Por conta dela, inclusive, sinto mais prazer em colocar roupas que ela tinha vergonha de colocar. Quando era com ela, as calças lhe apertavam as banhas. Minhas mãos ainda estão avermelhadas do sol e tenho agora uma marca nos ombros do biquini.

A dor da picada da vacina contra a rubéola foi apavorante. Entedi o pânico que ela sempre teve de agulhas e injeções, apesar de não fazer muito sentido. Michel pegou a minha mão e deixou com que eu a esmagasse enquanto o enfermeiro aplicava saúde no meu braço direito. Foi uma dor cheia de prazer, porque sei que essa dor me deixará com saúde no final.

O aperto da cólica arrepia todo meu abdome. Sinal do ciclo se refazendo dentro do meu corpo, sangue, fertilidade, sangue outra vez. O prazer de ser mulher, em todos os sentidos do prazer de ser mulher (como um forte abraço lhe tomando todo o corpo...uma profunda intimidade) é o meu preferido.

As aulas de português me tomaram numa abrupta vontade de expandir o conhecimento dos alunos. É apenas um aluno para português, um para história, mas é tudo que me dá realização (sinto que esta realização sera maior quando a biomedicina entrar na minha vida. E isso é algo tão real na minha imaginação...).

As pessoas me passam uma energia muito boa. Sei que elas não sabem que a mudança não foi só externa, mas logo elas perceberão. Eles dedicam um carinho muito grande à mim, como se eu ainda fosse ela. Ela vivia uma vida tranquila no presente em que ela se foi; amigos, faculdade pública, um namorado que a ama...É incrivel como ele é encantador, logo quando eu tinha um dia de nascida ele estava do meu lado dizendo o quanto eu estava mais bonita. Mais bonita comparado a quanto? Agora sou só eu, a partir daquele dia...é engraçado ser bonita para alguém quando see stá ainda meio feia. Foi uma alegria que só uma mulher, no sentido mais feminino, sabe como é...