Sentada à escrivaninha do seu quarto, aos milhões de bolas de papel, todas com rabiscos profundos. Enormes pilhas de chocolate diminuiam de tamanho; aumentara três quilos após aquela maldita crise. Ela já não sabia mais o que fazer, o que dizer, e seus sonhos profundos lhe consomiam a cada noite. A arte de silenciar-se em seu quarto não era mais suficiente e tudo que ela queria era gritar, dizer aos berros o quanto odeia e sente falta...
Em seus rabiscos, não consegue expressar o grito de dor...
"...do fundo do meu coração..."
Porque é do fundo mesmo. Aquela dor e sofrimento, ela precisava compartilhar, precisava contar para que soubessem do quanto sofria por alguém.
"...a dor do fundo do meu peito me incomoda a cada dia..."
E mais uma bola de papel nas mãos trêmulas se forma e é jogado contra a porta fechada do armário às suas costas. Deve ser a décima quinta bola no monte que já se forma. Ela já não sabe mais o que dizer sobre si mesma. Ela quer brigar, gritar, chorar e espernear. Como? A escrita pouco passa a emoção que a língua tem. Os supra-segmentos que tanto colaboram com a nossa expressividade. Ela não poderia entender o ódio e a tristeza em letras escritas numa folha de papel. A intensidade da fala era cortante, tinha já uma boa parte do seu discurso pronto.
"Tento me conformar que assim foi, porque nossa maturidade é diferente e seguimos rumos diferentes. Eu me conformo, não é assim que deverá ser feito?"
Leu. Amassou o papel. Era aquilo que ela queria gritar, exatamente aquela dor. Se ela soubesse como, se ela pudesse quando... Ah, tanta alma vinda de dentro de si para fora, tomaria-lhe o ambiente, os tímpanos, a alma de quem merecia ouvir...
Como ser alguém que ultrapassa o limite do orgulho? Como ser o orgulho ambulante? Feridas que se mantém abertas, expostas ao vento e à poeira, sem a chance de cicatrizar. A eterna questão de ser e não ser.
"Lembrar de como éramos uma dupla, como funcionávamos tão bem, faz um contraste tenso com a situação em que passamos hoje. Toda a minha força se perdeu no dia em que nos separamos e aquilo foi difícil"
Ela sabia que poderia se expor cada vez mais, e mais, e mais. Embalagens de chocolates espalhados pelo quarto. Papéis amassados em bolas. Num canto, livros abertos em fúria, com páginas amassadas, escritos à lápis a tortura de ser apesar de. Por que deve haver uma existência apesar de? O que falta para seguir em frente?
A eterna dúvida de não saber ser.
Pois que guardou as folhas ainda em branco, jogou as bolas de papel fora, engoliu com voracidade mais um chocolate que consumia. Abriu os lençóis da cama. Amanhã eu tento outra vez.
Deitou-se.
P.S.:Acho que nunca falei tanto. Dane-se, vai assim mesmo.
P.S.:Aos que me lêem, apenas, aos que me escrevem, aos que me elogiam, aos que não ousam me criticar, um beijão ^^