sexta-feira, 20 de junho de 2008

Dos pensamentos brutos

Já era a quarta noite que acordava no meio da madrugada para ir ao banheiro. Sabia que aquilo não era um aperto qualquer, pois desde pequena tem ataques urinários de madrugada quando está frente a um momento de tensão. E, na verdade, amanhã a vida dela mudará de forma muito abrupta.
Não era bem nisso que ela pensava antes de pegar no sono leve e cansado, mas, sim, nas coisas que aconteceram desde o início desafio de uma nova fase na vida. Já se via adulta, pensava por conta própria, sabia tomar as próprias decisões. Sabia exatamente sobre seu ambiente de trabalho e como agirá daqui a alguns anos, com o diploma na mão. Sabia dizer sim ou não no momento que melhor lhe conviesse, e já fazia algum tempo que havia descoberto o amor e o ódio. Sentia que, em alguns momentos, podia voltar a ser criança, no modo mais pejorativo que existe. Na verdade, tinha muito medo de se ver sozinha. Ou de pensar sobre a morte. Há alguns dias ela se perguntava muito sobre sua funçao na terra, e alguns filmes que vira nos últimos momentos fizeram-na se perguntar sobre essa questão cada vez mais. Ela podia morrer amanhã.
E com a morte tão próxima à sua realidade, o que teria ela feito de bom para quem ficasse? Será que ela conseguiu deixar a mensagem que ela tanto buscou passar, ou apenas fez diferença na vida de alguém? Teria ela conseguido dizer a todos o quanto ela os amava? Teria ela dado o valor necessário a cada coisa que fizera?
Lembrou-se das últimas brigas que tivera com pessoas próximas. Faz cinco anos que não fala com o pai da maneira que gostaria. Moram na mesma casa, dividem o mesmo conteúdo da panela na hora do jantar. Não se falam. Nunca mais tentaram falar-se. Ficou nisso. O quanto admirou o pai em silêncio nas suas grandes conquistas e premios nos últimos cinco anos. O quanto achava incrivel o fato de ele saber tantas coisas, e ser alguém que todos confiavam. Não se falam, e ela nada fez para a situação mudar. Acostumou-se com o silêncio. Ás vezes, tem a impressão de que ele desistiu de gostar dela.
Em poucos meses, seu círculo de amizade se transformara. Um milhão de amigos que sabiam faze-la rir, mas apenas um sabia acolher em sua dor. Este um não estava mais consigo para acolher essa dor que lhe matava o peito. Estava ali, ela, apagando a luz do quarto para voltar a dormir e toda a sua dor sempre a levava ao banheiro nas mesmas 4 horas da madrugada. Não sabia em quem poderia confiar essa dor, como se esta fosse um pão amargo que teria, agora, que tragar sozinha. Não sabia em quem confiar. Pobre namorado, que tanto tenta mostrar-lhe alguém confiável e interessado, mas que não é bem sucedido! Ela não sabe mais para onde correr, e fazia um tempo que sentia cada vez mais prazer em deitar na cama e admirar as estrelas florescentes do seu quarto apagado. Não fazia mais isso, a vida adulta havia lhe tomado todo o tempo que tinha para pensar sobre si, sobre suas atitudes e opiniões.
Fazia um tempo que mal sabia quem era ela mesma, quantos anos tinha (certa vez, ao perguntarem sua idade, teve que fazer as contas...2008-1984...?); mal sabia o que queria no futuro. Pouco pensava no quanto amava sua mãe, seu irmão, o seu namorado. Quase não conseguia dizer a eles o quanto ela os amava. Seus amigos ficavam pelos corredores da faculdade, entre mil ois e tchaus que saia distribuindo por ai sem saber direito com quem falava. Pensava em trabalhos de grupo, provas, livros da biblioteca. Radiografias, obturações, anestesias. Não sabia mais quem era ela mesma.
Os pensamentos brutos invadem-lhe a cabeça, às 4 horas da madrugada. Vontade de matar, de morrer. Deixar todas as lembranças do passado fugirem da cabeça atormentada com tantos choques. Queria gritar com o mundo, morrer de berrar com a vida. Dizer o quão medíocre era tudo aquilo, toda a sua genética, toda a sua vida. Nascer assim, tão cheia de peculiaridades.
Se a gente vive para morrer, por que haveríamos nós de vivermos?

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